Às leitoras e aos leitores...

O intuito deste blog é facilitar a comunicação, fazendo circular a informação e promovendo conexões de idéias e pessoas que se interessam pela capoeira angola.
As opiniões são pessoais e, portanto, de minha inteira responsabilidade, não correspondendo necessariamente a qualquer posição oficial do Grupo Nzinga.
Peço licença às mestras e mestres, de hoje e de sempre, para humildemente participar nessa roda. Sou um aprendiz. Procurarei mantê-lo atualizado e espero que seja de algum jeito útil.
Um abraço!

domingo, 21 de setembro de 2008

Sabedoria

Frases ouvidas em um treino do Mestre Poloca . . .


“Golpe é o mais fácil na capoeira”


“Não vou ensinar nada novo, nada diferente do que vocês já sabem”


“Tudo o que vocês precisam é desenvolver a noção de tempo e espaço”


“Joguem devagar e olhando, senão é melhor nem jogar”


“Joguem limpo, sem encostar, sem travar, e nada de bote”

“A capoeira vai muito além do corpo”

“Mais do que simplesmente bons capoeiristas, queremos formar melhores pessoas”.

Um pouco de filosofia

O que significa pertencer a um grupo de capoeira angola? Essa pergunta aparentemente trivial comporta muitas respostas. Em primeiro lugar, claro, estar frequentando as atividades promovidas pelo grupo, participando e contribuindo. Nessa leitura, aliás, o pertencimento não está obrigatoriamente vinculado ao treinar, pois há outras formas de agregar à comunidade.
Seja como for, uma coisa é certa: pertencer não é o mesmo estar frequentando um espaço de trocas meramente comerciais, como tantos que estão em oferta por aí, ou de busca de uma realização puramente individual.

Pelo que entendo, os grupos de capoeira angola devem se definir como organizações culturais e educativas em sentido amplo. Não como academias, espaços esses que privilegiam certos aspectos estéticos e funcionais do corpo, a partir dos paradigmas da educação física.
Estamos falando do pertencimento a uma tradição e a uma forma tradicional de ver as coisas.

Até onde eu posso falar, a capoeira angola que o Grupo Nzinga se propõe a praticar é a da “escola” do Mestre Pastinha. Isso significa várias coisas fundamentais.
Do ponto de vista filosófico, estamos assentados em um tripé: ancestralidade, oralidade e comunidade. Estes são conceitos que vêm da tradição.

Ancestralidade não tem nada a ver com descendência racial e/ou étnica. No nosso caso, refere-se em primeiro lugar à presença e valorização da memória do Mestre Pastinha. Ele é a matriz de uma descendência cujas reflexões e práticas definem seus próprios códigos de pertencimento e resistência cultural, como diz a Mestra Janja.
Esse fundameto ancestral também diz respeito aos vínculos originários entre a capoeira e a religião afro-brasileira, no sentido de um pertencimento a um tronco comum e perene, não como atividade. Ou seja, nada obriga aos praticantes da capoeira a iniciação religiosa. Porém, é mais do que presente uma africanidade pautada no convívio com o sagrado, o sobrenatural, o mistério, a mandinga. É a partir daí que se estrutura a identidade angoleira.

Por comunidade entende-se o grupo amplo formado por aqueles e aquelas que, podendo estar distribuídos em cidades, países e culturas distintas e até distantes, partilham os mesmos códigos de pertencimento e símbolos de identidade. Isto por sua vez implica atitudes e condutas, com conteúdo ético e moral próprio, cuja principal consequência é a consciência da responsabilidade por cuidar da própria fonte da tradição. Isso une todos os angoleiros e angoleiras.

Finalmente, tem-se a oralidade como principal via de repasse do conhecimento. Mestra Janja ensina que essa relação complexa pode variar nas estruturas individuais de relacionamento (mestre-discípulo) e/ou coletivas de envolvimento (mestre-discípulos e estes entre si), correspondendo em qualquer caso à valorização de uma técnica de educação tradicional africana. Na prática, estamos falando de coisas como tempo e convivência. De saber calar, ouvir e falar. De ensinar pelo exemplo. De respeito a quem é mais velha e mais velho. De uma lógica que desafia a linearidade e promove a circularidade.

Bem, o assunto é amplo e profundo, como a própria capoeira angola. Talvez até por isso Mestre Pastinha tenha dito que "seu princípio não tem método e o seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista".
De qualquer jeito, estou convencido de que exercício constante de seus fundamentos é uma contribuição decisiva não apenas para o aprimoramento individual de cada um de nós, mas, sobretudo, para o processo de construção de uma forma alternativa de agir socialmente.