Às leitoras e aos leitores...

O intuito deste blog é facilitar a comunicação, fazendo circular a informação e promovendo conexões de idéias e pessoas que se interessam pela capoeira angola.
As opiniões são pessoais e, portanto, de minha inteira responsabilidade, não correspondendo necessariamente a qualquer posição oficial do Grupo Nzinga.
Peço licença às mestras e mestres, de hoje e de sempre, para humildemente participar nessa roda. Sou um aprendiz. Procurarei mantê-lo atualizado e espero que seja de algum jeito útil.
Um abraço!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Mestre Canjiquinha e o espírito da capoeira regional contemporânea

Como todos sabemos, há muitas controvérsias na capoeira.

Outro dia eu pus no ar essa enquete: "Que angoleiro famoso disse: 'Não existe capoeira regional nem angola. Existe capoeira'".
A maioria dos seis leitores que responderam acertou. Foi o Mestre Canjiquinha (foto), conforme está registrado no livro "Canjiquinha - alegria da capoeira", uma coletânea de depoimentos publicada em 1989, pela Editora A Rasteira, sob a coordenação de Antônio Moreira.

Vou botar a citação completa, que está na página 21:

"Não existe capoeira regional nem angola. Existe capoeira. Apelidaram capoeira de angola porque foi praticada, aqui no Brasil, por volta de 1855 pelos escravos na sua maioria angolanos.
Então, eles ficavam na senzala treinando. Eles viram que dava para se defenderem com ela. Então, botaram o nome de capoeira angola.
MAS, CAPOEIRA É BRASILEIRA.
O ÚNICO ESPORTE BRASILEIRO É CAPOEIRA.
EU SOU CAPOEIRISTA. NÃO SOU NEM ANGOLEIRO NEM REGIONAL.
Porque não canto música em angola, que não sou de candomblé. eu canto capoeira e jogo capoeira.
Agora, capoeira é de acordo com o toque. Se você está numa festa: se tocar bolero você dança bolero; se tocar samba você dança samba; - a capoeira é conforme: tocando maneiro você dança amarrado; tocando apressado você apressa.
O ÚNICO ESPORTE BRASILEIRO É CAPOEIRA."
Uma das coisas que me chama a atenção nessa fala é que ela cabe tranquilamente no discurso de grande parte dos praticantes da atual capoeira regional, às vezes auto-denominada de contemporânea.

Digo porque já ouvi algo parecido várias vezes. Também já li, principalmente em revistas como a Praticando Capoeira, a Ginga Capoeira, a Revista Capoeira e a Cordão Branco, que sempre trouxeram entrevistas com mestres de várias partes do Brasil.

Um resumo bem resumido dessa, digamos, ideologia: (i) capoeira é uma só; (ii) capoeira é brasileira; (iii) o que manda no jogo é o toque.

Mestre Canjiquinha foi reconhecidamente um grande angoleiro. Chegou a unir-se a Mestre Pastinha
por um tempo, como contramestre do CECA, mas sempre teve estilo próprio. Respeitado por todos, seus alunos já nos anos 40 ou 50 começaram a sair da Bahia. Hoje, vários grupos de capoeira angola proclamam sua herança.

A dúvida, então, é saber como ele de certa forma se tornou uma espécie de patrono desse jeito contemporâneo de encarar a capoeira. Não sei a resposta, mas acho que uma comparação entre Canjiquinha e Pastinha talvez ajude a pensar.

Pensem comigo. Mestre Pastinha resgatou a capoeira angola, inovando, com o olhar posto nas origens, na África, voltando-se para a tradição como referência básica. Mesmo as grandes e decisivas mudanças que introduziu foram iluminadas por esse espírito, que passou a inspirar gerações de capoeiristas depois dele.

Mestre Canjiquinha também era a própria tradição. Isso não se questiona. Mas com uma diferença. Evidentemente, ele tinha uma visão mais aberta da capoeira, sempre pronta para receber outras influências, voltada para o futuro, pré-disposta a mudar. Por outro lado, não escondeu que para ele a capoeira era brasileira. Ponto.

Esse jeito de ver as coisas pode ter sido a senha para os praticantes da capoeira regional, criada por Mestre Bimba já sob o signo da novidade e da "evolução", entrarem em um processo ininterrupto de metamorfose. Não pode ser à toa que hoje em dia tem tanta modalidade híbrida de capoeira regional com outras lutas, danças, terapias, etc.. Isso não se observa com a capoeira angola. Aliás, até mesmo a capoeira angola foi em certo momento (re)enxertada nessa sempre "nova" capoeira.

A propósito, como contraponto, é curioso constatar que a capoeira regional nas regras originais de Mestre Bimba, modernamente representada de maneira mais do que distinta pelo trabalho de seu filho, Mestre Nenel, se tornou ela própria uma exceção, quase uma seita tradicionalista, em meio ao turbilhão da capoeiragem contemporânea. Será que ela sobreviveria se não fosse assim?

10 comentários:

  1. No teu texto vc está querendo associar o mestre Canjiquinha com a capoeira regional "contemporâne" ? é isso ??
    Me parece que uma reflexão muito mais interessante seria o que se ganha e o que se perde com uma capoeira mais aberta e voltada para o futuro ( como vc definiu a de Canjiquinha) com uma mais fechada e voltada para o passado ( como imagino seja no teu grupo, assim pareceu no texto). Ou melhor o que se ganha e o que se perde em se restringir a um rôtulo, no caso, capoeirista angola ou capoeirista regional?
    Não entendi porque colocaou em letra maiuscula os seguintes afirmações: capoeira é brasileira, capoeira é o unico esporte brasleiro? Me explique..
    Aliais, africana ou brasileira a capoeira angola está cada vez mais branca...

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  2. Caro "Anônimo",
    As associações e sugestões que fiz estão lá no texto. Não tem nenhuma mensagem oculta. A começar pelo título, que responde diretamente sua pergunta...
    Agora, o que é mais "interessante", ou o que "se ganha e se perde" vai depender de cada pessoa, cada grupo, cada situação. Você tem sua opinião e eu tenho a minha. Eu publico no blog. Você sugere uma reflexão, mas nao desenvolve.
    Quanto à citação, repare que está entre aspas, ou seja, letra por letra igualzinho ao texto original.
    Sobre a questão de tornar-se ou não "branca", discordo da sua posição, mas respeito. De qualquer jeito, tomo a liberdade de sugerir o post "Filosofia do movimento", do dia 16 de janeiro.

    Um abraço cordial.

    PS - Seria mais interessante se vc se identificasse... Todo mundo ganharia...

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  3. Mestre Mario Guarana23 de maio de 2009 às 19:04

    Salve amigo gostei do seu texto.mas você coloca sempre o Mestre,muito perto da Capoeira Regional como se canjicinha fosse dela.
    Gostei da sua teze se não fosse à evolução como estaria a capoeira regional
    Temos que agradecer a todos os Mestre do passado, pois se não fosse as raízes não teria folhas nem frutos.
    Ass. Mestre Mario guaraná,da Associação de Grupo Raizes Baianas.

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  4. Obrigado Mestre!
    É verdade, Mestre Canjiquinha não era da regional. Mas por isso mesmo me chamou a atenção como o jeito dele pensar é parecido com o da chamada capoeira contemporânea, ou seja, nem angola, nem regional...
    Concordo com o senhor sobre a importância dos mestres que vieram antes. Para mim, de um jeito ou de outro, eles "entram" na roda com a gente.
    Abraço!

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  5. cara voçe falou e dissi igual o que meu mestre louro explica pra agente aqui no grupo,que por sinal preservamos as tradiçois do mestre canjiquinha,meu mestre faz parte da associaçao de capoeira alegria do mestre canjiquinha que tem com frente da associaçao mestre roque que foi um dos ultimos alunos do mestre canjiquinha a ser formando por ele,
    hoje o grupo de capoeira canjiquinha camara tem um papel importante aqui em salvador o mestre louro foi o primeiro na apae salvador a emplatar a capoeira para pessoas como deficiencia mental que por sinal ele ja deu o curso de capoeira pra varios capoeirista aqui no forte da capoeira valeu mesmo por voçe escrever essi artigo aqui no seu blog...axe pra voçe do grupo de capoeira canjiquinha camara e da associaçao de capoeira alegria do mesre canjiquinha

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  6. PROFESSOR MAURICIO (MESTRE LOURO)22 de março de 2010 às 21:27

    GOSTARIA EM PRIMEIRO LUGAR, DE TE PARABENIZAR PELO TEXTO, E DIZER QUE SOU MESTRE FORMADO PELO MESTRE ROQUE, QUE É ALUNO DIRETO DO MESTRE CANJIQUINHA AQUI DE SALVADOR, E FAÇO UM TRABALHO COM PESSOAS COM SINDROME DE DOWN NA APAE DE SALVADOR E CONSIGO MIM IDENTIFICAR, COMO CAPOEIRA, COMO DIZIA O MESTRE CANJIQUINHA, POIS, NESTE PROJETO INTRODUZO O FUNDAMENTO DO MESTRE CANJIQUINHA, E SE NÓS OLHARMOS A CAPOEIRA QUE É JOGADA HOJE, QUE É CHAMADA DE CAPOEIRA CONTEPORÂNEA, VEREMOS QUE ESTA CAPOEIRA EXERCE UMA INFLUÊNCIA MUITO GRANDE DO MESTRE CANJIQUINHA,QUE FOI, UM MESTRE QUE, COMO NÓS SABEMOS, DEIXOU UMA GRANDE CONTRIBUIÇÃO PARA NOSSA HERANÇA CULTURAL, LÓGICO COM RESPEITO Á OUTROS MESTRES QUE VIERAM ANTES DELE, E QUE TIVERAM UM PAPEL DE FUNDAMENTAL IMPORTÂNCIA NA CONSTRUÇÃO DA NOSSA ARTE-LUTA GENUINAMENTE BRASILEIRA DENOMINADA CAPOEIRA. PARABÉNS PELO TEXTO E UM AXÉ DA MINHA BAHIA PARA VOCÊ.

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  7. Valeu, irmão!
    Um abraço forte pra vc e o pessoal do grupo também!

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  8. Obrigado por suas palavras Mestre Louro e parabéns pelo importante trabalho!

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  9. Depois que li o livro de Canjiquinha meu queixo caiu!Já tinha lido uma porrada de livros, mas com uma filosofia tão simples e contundente, foi o primeiro e último! Gosto dos do Nestor Capoeira, mas o de Canjiquinha é filosofia popular! Espetacular o questionário, pegando na sintese oque é/pode ser a Capoeira afro-Brasileira!
    Leiteiro

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  10. Olá Leiteiro,
    Tomo a liberdade de sugerir a você também a leitura dos Manuscritos do Mestre Pastinha, organizados por Mestre Decânio, que são fáceis de encontrar na internet.
    Ali dá pra encontrar a mais profunda filsosofia angoleira.
    Um abraço.

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