Mesmo as pessoas que não conseguem entender direito a lógica do jogo e da roda costumam compreender isso.
Em geral, essas pessoas comparam a angola com a capoeira mais conhecida para elas, a capoeira regional.
O que é diferente?
Em minha opinião, muitas coisas, mas um aspecto se destaca imediatamente para quem assiste: a estética do jogo.
Já andei falando alguma coisa sobre isso, ao abordar a questão do olhar sobre o mundo a partir de uma posição invertida.
No livro da Maya Talmon-Chvaicer, que eu comentei no dia 2 de dezembro passado, ela traz uma informação muito interessante, que deve ser bem conhecida por quem estuda dança clássica, mas era desconhecida pra mim.
É uma citação de uma dançarina chamada Deborah Bertonoff. Segundo ela, o ideal dominante da arte grega antiga, base da cultura ocidental, era a linha reta, no sentido de uma aspiração de elevação do espírito e da alma.
Na dança, esse ideal se expressa ainda hoje no ballet clássico, onde dançarinos e dançarinas são treinados incessantemente para, digamos, flutuar, ou seja, descolar-se do chão e almejar o ar.
Que diferença em relação à filosofia angoleira!
Sim, porque o movimento, o jeito de corpo, também é uma filosofia viva.
Pensando por aí, é fácil entender o estranhamento que muita gente sente ao ver nossa brincadeira.
Mestre Poloca uma vez me contou um episódio ilustrativo disso: Tendo ido ao médico para tratar uma dor, não me lembro onde, o dito doutor recomendou-lhe simplesmente que deixasse de praticar a capoeira, pois o homem não tinha sido feito para se movimentar daquela maneira!! Dá pra acreditar?
Quanta incompreensão! Almejamos o céu também, com tudo que tem de forte e sagrado, mas é no chão que buscamos a energia dos ancestrais e da terra. Mãos e cabeça nos apóiam e conectam com esse "outro" mundo.
Vejam, aliás, que nesse sentido a própria capoeira regional, com suas posturas corporais retas, golpes altos e saltos cada vez mais acrobáticos, significou uma aproximação àquele antigo ideal grego.
Se isso for verdade, têm toda razão os que afirmam que a capoeira regional é mais ocidentalizada e a capoeira angola mais africanizada.