Às leitoras e aos leitores...

O intuito deste blog é facilitar a comunicação, fazendo circular a informação e promovendo conexões de idéias e pessoas que se interessam pela capoeira angola.
As opiniões são pessoais e, portanto, de minha inteira responsabilidade, não correspondendo necessariamente a qualquer posição oficial do Grupo Nzinga.
Peço licença às mestras e mestres, de hoje e de sempre, para humildemente participar nessa roda. Sou um aprendiz. Procurarei mantê-lo atualizado e espero que seja de algum jeito útil.
Um abraço!

sábado, 1 de novembro de 2008

Lutas da angola

Grupo Nzambi e convidados (sou o de chapéu)

No começo, era a briga pela sobrevivência.
A resistência contra a injustiça, diante de muita violência e sofrimento.
Rasteiras e cabeçadas contra a opressão.
Perseguição. Repressão. Dor.
A capoeira sempre sobreviveu.
E venceu muitas batalhas titânicas.
Pela liberdade, pela igualdade, por respeito.
Golpes, esquivas, mandingas e gingas.
Palavra, pensamento, filosofia e discussão.
Armas de ontem e de hoje.

Quais as lutas atuais da capoeira?
Com certeza, contra o racismo, tão real e dissimulado nesse Brasil.
Sem nenhuma dúvida, pelo reconhecimento do valor do saber tradicional.
Por uma velhice digna para os velhos mestres.
Pelo respeito à diversidade religiosa.
Etc. etc.

Dentre tantas lutas fundamentais, destaco uma, o combate ao machismo na própria capoeira.
Nenhuma surpresa, suponho.
Todo mundo sabe que essa é uma das bandeiras do Grupo Nzinga, um dos poucos no universo da capoeira angola com efetiva liderança feminina, sob a batuta de Mestra Paulinha e Mestra Janja.

Pra falar do tema, aproveito um material que preparei para um bate-papo do
qual participei, sobre o papel da mulher na capoeira.
Foi no aniversário do Grupo Nzambi, da Mestra Elma, outra exceção que confirma a regra, em maio deste ano, aqui mesmo em Brasília. (Pus a foto aí em cima)

Primeiro, pego emprestada (sem autorização prévia) uma frase da Mestra Janja:


"Partindo da tese que toma a capoeira enquanto uma estrutura social capaz de representar variados entendimentos sobre a vida social, se apresentado historicamente com capacidade para transgredir vários códigos e normas da ordem nas suas lutas de proteção e preservação, tais transgressões não incorporaram até o presente momento a proteção e a preservação dos direitos da mulher." (Janja)

De fato, quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir já percebeu que a capoeira, arma de libertação, muitas vezes entra em contradição consigo mesma, a partir de certas posturas autoritárias, até abusivas, que tentam negar às mulheres o que lhes é de direito e merecimento. Por que isso acontece?

Certamente não sou a pessoa mais indicada para responder, mas resolvi dar meu pitaco. E, para começar, creio que devemos pensar em como temos lidado com a tradição. Sim, pois não é difícil perceber que ela é muitas vezes usada mais como instrumento de reprodução e perpetuação de relações de poder do que qualquer outra coisa. Aí, fica a pergunta: até que ponto ela pode e deve ser reinterpretada e resignificada?

Tome-se o exemplo do candomblé, religião professada por muitos capoeiristas. Historicamente, as mulheres têm nele um lugar de destaque, senão de liderança máxima, o que aliás não é comum entre as religiões de um modo geral. Apesar de terem brotado da mesma raiz, estranhamente, a capoeira se transformou em um feudo masculino.

No passado, as mulheres capoeiristas
tinham que se masculinizar para ganhar espaço e respeito na capoeira. Basta ver seus apelidos: Maria Doze Homens, Rosa Palmeirão, Claudivina Pau-de-Barraca, Dora das Sete Portas, Maria Homem e Júlia Fogareira. Mulheres fortes, sem dúvida, que deixaram seus nomes na história. Mas será que ainda hoje as mulheres terão que conquistar seu espaço "na porrada"?

É triste costatar que em pleno século XXI as mulheres continuam se deparando com diversas formas de violência também no interior da capoeira.
Há depoimentos de várias formas de assédio, passando pela agressão sexual e psicológica. E o que é pior, muitas vezes partindo dos próprios mestres, dos responsáveis pelos grupos ou de alunos mais experientes.

Por outro lado, é preciso reconhecer que há muitas maneiras mais sutis de opressão. As letras de músicas, por exemplo. No Nzinga, chegamos a mudar letras "tradicionais" e não posso negar que dá uma ponta de orgulho em ver que cada vez mais grupos soltam a voz para dizer que a capoeira "tem homem e tem mulher". Tampouco cantamos canções que reforçam estereótipos femininos negativos.

Enfim, a questão é complexa e merece nossa reflexão. E ação. Que as mulheres possam assumir posições de liderança em seus grupos por seu próprio valor e merecimento, como qualquer pessoa, "pegar o gunga" e ajudar a capoeira a cumprir, mais uma vez, sua vocação revolucionária e libertadora.

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