Às leitoras e aos leitores...

O intuito deste blog é facilitar a comunicação, fazendo circular a informação e promovendo conexões de idéias e pessoas que se interessam pela capoeira angola.
As opiniões são pessoais e, portanto, de minha inteira responsabilidade, não correspondendo necessariamente a qualquer posição oficial do Grupo Nzinga.
Peço licença às mestras e mestres, de hoje e de sempre, para humildemente participar nessa roda. Sou um aprendiz. Procurarei mantê-lo atualizado e espero que seja de algum jeito útil.
Um abraço!

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Pra inglês ver?


O Ministério das Relações Exteriores do Brasil (Itamaraty) lançou este ano um número de sua revista "Textos do Brasil" dedicado exclusivamente à capoeira.

Feliz ou infelizmente, não sei ao certo, trata-se de uma publicação voltada para a divulgação da cultura brasileira no exterior.

Digo isso porque muita gente, mas muita mesmo, no próprio país ficaria mais do que feliz de ter acesso a esse material, que no entanto não tem sido muito divulgado por aqui.

Neste número 14, um time de bambas aborda uma série de aspectos da capoeira.

A seleção vai dos "desafios contemporâneos", tema do Mestre Luiz Renato Vieira com Matthias Assunção, aos "aspectos mítico-religiosos", por Pedro Abib, passando pelo "ritual da roda", de Rosa Maria Simões.

São 18 textos, dos quais destaco ainda a entrevista com minha Mestra Janja. Imperdível.

Fica então essa dica para quem se interessar. O endereço na internet é:


Uma abraço!

domingo, 7 de dezembro de 2008

Tem alguma coisa errada com a capoeira angola?

Nunca na história a capoeira angola foi tão difundida.
Brasil afora e pelos quatro cantos do mundo, hoje é possível encontrar angoleiras e angoleiros de valor.
Também não tem paralelo a quantidade de informações agora disponíveis, pelos mais variados meios, aos interessados na arte.
São livros, revistas, CDs, DVDs, teses e mais.
Na internet, os grupos se organizam para estar on-line, divulgando e promovendo suas atividades.
É raríssimo um evento cuja programação não inclua debates, palestras, exposições, lançamentos e outras formas de difusão da informação.

Onde fica a relação mestre-aprendiz, mais velho-mais novo, fundamento da transmissão do saber ancestral, em meio a essa avalanche?
Eu pergunto porque venho reparando, aqui e acolá, alguns sinais que me deixam com a pulga atrás da orelha.
Pra exemplificar, cito acontecimentos recentes.
Alguns eu mesmo presenciei.
Outros, me contaram.
Não vou revelar nomes.

Um deles envolveu um velho mestre baiano, muito conceituado e respeitado.
Convidado a lançar seu CD, organizou-se uma roda em sua homenagem.
E não é que aí mesmo um capoeirista colocou o dedo em riste na cara do mestre, desdenhando sua autoridade, seja como mestre, seja como pessoa idosa?

Outro episódio aconteceu com um conhecido mestre carioca, admirado por sua índole e trabalho.
Fora do país para uma série de workshops, como gostam de dizer por lá, só então ficou sabendo que haveria uma deserção em massa de seu grupo.
Até aí tudo bem. Divergências acontecem.
O problema é que não o trataram como qualquer mestre, por ser mestre, merece.

Pra não alongar demais o papo, um último caso, em que um famoso mestre baiano jogou com um novato.
Resumindo, acossado por mãos na cara e outras artimanhas muito além da sua capacidade de reação, o coitado mal conseguiu ficar em pé na roda, saindo dali visivelmente humilhado.

Fiquei pensando com meus botões: quais os valores éticos que a capoeira angola está semeando?
Muitos gostam de salientar uma certa ética da malandragem, da malícia e da falsidade.
Tudo bem.
Mas será que ela vale contra o forte e contra o fraco?
Contra o jovem e contra o velho?
Na roda e na vida?
Sempre?

Quem nunca ouviu estórias de desonestidades entre capoeiristas?
Inclusive de mestres ou professores com seus próprios alunos!

Uma coisa que pode estar acontecendo é que a questão comercial, a ganância para ocupar novos "mercados", esteja levando algumas pessoas a passar por cima de certos valores de convivência e respeito, indo contra a própria essência comunitária da capoeira angola.
Talvez a própria velocidade da expansão, nem sempre acompanhada em maturidade pelos angoleiros e angoleiras em formação, seja um fator.

Não sei o que vocês pensam.
Será que os exemplos que eu mencionei são motivo para preocupação?
Qual o significado de valores como justiça, liberdade, ancestralidade e solidariedade para angoleiros e angoleiras de hoje e, principalmente, de amanhã?
No mínimo, acho que cada grupo e cada capoeirista pode pensar sobre qual capoeira angola quer para si.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Do cultural ao multi-cultural

Quero comentar o livro The Hidden History of Capoeira: a collision of cultures in the Brazilian battle dance, de Maya Talmon-Chvaicer (University of Texas Press, 2008).

O título em português, se ele vier a ser editado em nossa lingua, poderia ser "A história oculta da capoeira: uma colisão de culturas na dança-luta brasileira".

Ele chama a atenção pois é o primeiro no gênero que vai por uma linha histórica-cultural-social, combinada com pesquisa antropológica, como diz a autora.

Eu acho essa abordagem muito interessante, pois ajuda a entender de uma maneira mais completa as origens de tantas coisas na capoeira. Aliás, eu mesmo já escrevi aqui no blog sobre a conexão entre cultura banto-kongo, aús e bananeiras, por exemplo.

O livro tem muita informação interessante e dá seguimento a uma das "tradições" atuais da capoeira: é provável que os Estados Unidos sejam o país onde mais se publica sobre o tema da capoeira, principalmente juntando muita pesquisa (sem desmerecer o fato de que o livro tem origem na tese de mestrado de Maya, defendida na Universidade de Haifa, Israel). Na área acadêmica, talvez nem o Brasil rivalize.

É evidente que isso acontece na proporção em que a arte conquistou corações, corpos e mentes ao norte do Rio Grande, aquele lá da fronteira com o México...

A gente deve estar conscientes de que isso tem conseqüências sobre a própria história da capoeira. Seja no que vem pela frente, a forma como ela será praticada e entendida no futuro, ou na maneira como o passado é contado e interpretado.

Cada pessoa que começa a aprender a capoeira angola vai combinar, de uma maneira única, sua bagagem pessoal com os ensinamentos tradicionais, ancestrais, passados por seu mestre.

Consigo, como sabemos, cada pessoa traz não apenas seu jeito de ser, sua personalidade, mas também sua cultura, herança da vida em sociedade. E as comunidades da capoeira são, - e com certeza serão, cada vez mais multi-culturais.

Nada mais natural, aliás, já que a capoeira certamente tem em si diversas influências culturais, que se fertilizaram mutuamente no Brasil da diáspora africana, assim como em contato com a matriz européia-portuguesa e a das nações indígenas que viviam nesse território.